RUMO AO ESPAÇO

A Missão – Parte III – Subida
Marcos Pontes
12/03/2006

Lá fora, as nuvens passam rápido. Camadas e camadas brancas ficando para trás enquanto aceleramos...contra a gravidade.
Seria bom se pudéssemos ver alguma coisa pelas pequenas janelas do módulo. Contudo, a espaçonave é protegida durante grande parte da subida por um revestimento metálico que será descartado apenas no final dessa fase.
Os momentos que antecedem a decolagem são de ansiedade. A mesma ansiedade que aprendemos a transformar em atenção durante a dinâmica do vôo. O traje Sokol, obviamente, não é confortável. Mas meu corpo ajusta-se perfeitamente ao pequeno assento do lado direito da cápsula. Na janela posso ver o reflexo da bandeira do Brasil, fixada no meu braço esquerdo. O sentimento é de um certo conforto. Não estou só.

A vibração é característica. O funcionamento dos motores de combustível líquido do nosso foguete fazem toda a estrutura vibrar. Vibramos por dentro também. A trajetória é dividida em estágios. Na verdade, toda a propulsão do foguete é dividida em três estágios. No final de cada estágio, aquela parte do foguete, já vazia de propelente, é descartada e cai. Isso causa uma redução de peso no veículo e ajuda na difícil tarefa de “vencer a gravidade” rumo ao espaço.
Dentro da nave, os cintos de segurança que nos prendem aos assentos são muito bem apertados. Imagine, cada término de estágio e acendimento do subsequente causa uma desaceleração seguida de uma brusca aceleração. Caso não estivéssemos com os cintos extremamente ajustados, poderíamos ser arremessados contra o painel quando o estágio terminasse. Logo depois, seríamos jogados de volta ao assento pelo acendimento do próximo estágio. É realmente uma boa idéia apertar os cintos.
Essa dificuldade de vencer a gravidade parece-me muito como um pequeno laboratório da nossa própria vida. Buscamos nossos ideais. Lutamos contra a “gravidade”. Precisamos de vários estágios. Temos que esquecer cada estágio passado e descartar. Isso alivia o peso. Ajuda a vencer o próximo momento. Sentimos ansiedade quando chega próximo ao momento de mudança de estágio. Será que tudo vai funcionar? Será que o próximo estágio vai acender? Será que a separação vai ocorrer normalmente? Meus cintos estão apertados o suficiente para me manter no lugar durante toda essa mudança?
Interessante como as coisas se assemelham. Deixo para cada um associar à sua experiência profissional, a aceleração. Durante a subida, ficamos submetidos a grandes variações de aceleração. Chamamos de “g”, como referência à gravidade. Na situação normal, parados na superfície da Terra, estamos constantemente submetidos a um “g”. Isso garante o nosso peso usual. Na subida, durante cada estágio, a aceleração vai gradualmente sendo aumentada até o final do estágio. No final do primeiro estágio, por exemplo, a aceleração é de quatro “g”. Isto é, nosso corpo, naquele momento, pesa quatro vezes mais. É uma pressão considerável no peito. Quem leu o artigo sobre os testes em centrífuga que eu escrevi já teve uma boa idéia sobre esse assunto. Assim que o primeiro estágio acaba, a aceleração cai bruscamente para zero e depois já começa a subir novamente, com a partida do segundo estágio.
Essas variações todas ocorrem durante todos os oito minutos e meio da subida. Parece pouco, não é? Depois desse tempo de subida, já estamos a 200 kilometros de altitude, com apenas a nossa espaçonave, o Soyuz. Todos os estágios de propulsão ficaram no caminho. Estamos livres da gravidade!
Bem vindos ao espaço!

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